domingo, 25 de maio de 2008

MUNDO
Tema do Dia - Cúpula do Brasil Aliança de última hora
Tratado que cria o bloco sul-americano só foi assinado depois de vencida a resistência do Equador

“Não se trata de uma época de mudanças, mas de uma mudança de épocas”, disse ontem ao chegar a Brasília o presidente da Bolívia, Evo Morales. Ele se referia à América do Sul como uma região motora de mudanças no mundo atual. Durante a reunião organizada para a assinatura do Tratado Constitucional da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), o presidente boliviano lembrou que em Cochabamba foi lançada uma pedra fundamental para a integração sul-americana e que, em Brasília, os 12 chefes de Estado e de governo estavam reunidos para colocar o cimento da Unasul. “Como pedreiros da construção da América do Sul,” completava. E como pedreiros tiveram que quebrar algumas pedras antes mesmo de a reunião para a assinatura do tratado começar.
O presidente do Equador, Rafael Correa, chegou reticente sobre a Unasul. Foi preciso um café-da-manhã com o presidente Lula, Morales e o presidente venezuelano, Hugo Chávez, para melhorar o ânimo do equatoriano, que queria mudar pontos do tratado, como as funções da Secretaria Geral. O órgão, responsável por planejar o orçamento da entidade, seria presidido pelo também equatoriano Rodrigo Borja, que nesta semana se declarou frustrado com os chefes de Estado que não desejam englobar a Comunidade Andina de Nações (CAN) e o Mercosul ao projeto. De acordo com o assessor especial da Presidência da República Marco Aurélio Garcia, Borja tinha metas ambiciosas demais para o bloco de nações sul-americanas. O Itamaraty revelou ao Correio que possíveis candidatos para a Secretaria Geral seriam o boliviano Pablo Solom e o ex-presidente da Argentina Néstor Kirchner.
Durante a reunião, o presidente boliviano passou a presidência pro tempore da Unasul para a presidenta do Chile, Michelle Bachelet. Nas palavras do presidente Lula, será ela “quem vai carregar esse gostoso fardo integracionista”. A presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, defendeu sobretudo a integração econômica da região e os projetos de integração energética. À tarde, durante a gravação de um programa para o canal de iniciativa venezuelana Telesur, Chávez também fez considerações sobre esse âmbito, dizendo que o “Mercosul poderia ser a unidade econômica da Unasul”.
O venezuelano mencionou ainda a idéia de se criar um conselho alimentar, para aproveitar o potencial agrícola da região. A idéia tinha sido defendida pela manhã, quando a presidenta do Chile disse acreditar que, na Unasul, os países sul-americanos terão melhores condições para enfrentar a crise internacional de alimentos. “Nas conversas entre os presidentes, surgiram diversas idéias de como aumentar a produção. Somos uma região que não tem escassez de alimentos, podemos ter escassez de alguns produtos em alguns países, mas não no conjunto”, disse Bachelet.
Com tantos temas em debate e pedras no caminho, o presidente Lula terminou o encontro se dizendo de “alma lavada” com a criação do grupo de países sul-americanos, mas admitiu que o bloco terá de enfrentar muitos desafios antes de conquistar espaço no cenário internacional.
Estratégia brasileira
A realização da cúpula alterou o cenário no centro da cidade, onde centenas de soldados do Exército se posicionaram especialmente na região do Centro de Convenções, nos setores hoteleiros e ao longo do Eixo Monumental. José Antonio Sanahuja Perales, diretor do Departamento de Desenvolvimento e Cooperação da Universidade Complutense de Madri (UCM), adiantou ao Correio algumas das idéias sobre a Unasul que devem ser publicadas em artigo no próximo mês. “A Unasul é, em grande medida, o resultado de um desenho geopolítico brasileiro, que parte do pressuposto de que o México e a América Central estarão cada vez mais vinculados aos Estados Unidos. Ao redefinir a integração na chave sul-americana, e não latino-americana, deixa-se por um lado o México, único competidor potencial do Brasil, e deixa-se o Brasil como líder ‘natural’ da região.
Questionado sobre a possível existência de uma disputa entre Brasil e Venezuela pela liderança regional, o presidente Chávez respondeu: “Lula e eu somos irmãos; nossa amizade é de altíssima grandeza”. O venezuelano considerou que há interessados em criar disputas entre os dois, mas que ambos já decidiram “não brigar”. E listou iniciativas de cooperação entre os dois países, como projetos da Petrobras e da Embrapa, ressaltando que a Venezuela comprou soja não-transgênica do Maranhão.
Chávez acrescentou que a Unasul tem de servir à independência da América Latina e continuar um processo de um século e meio. Mas negou querer ser um novo Simón Bolívar, líder da independência de territórios na América Latina e defensor da integração da região em meados do século 19. “Ele é um gigante, um colosso. Eu sou um soldado raso.”
Apagão na hora da assinatura
A Unasul teve de ultrapassar a falta de energia para nascer. No exato momento em que os 12 chefes de Estado assinavam o tratado, houve um apagão na região do Setor de Divulgação Cultural, onde se encontra o Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Enquanto a Companhia Energética de Brasília (CEB) trabalhava, dois geradores forneciam luz e força para a conferência. Diante do imprevisto, Hugo Chávez brincou, dizendo que aquilo havia sido uma armação do americano George W. Bush. Além do gerador que já havia no prédio, o Itamaraty pediu a instalação de um outro para atender a demanda.

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